Saio
logo cedo acompanhado de Taylor que me indica que tudo está preparado e
acertado para o dia e a viagem. Ainda no carro assino alguns documentos
urgentes. Taylor vai leva-los até o escritório enquanto ficarei na visita com
Flynn. No caminho combino com ele algo que quero fazer para surpreender
Anastasia e ao mesmo tempo me divertir um pouco. Vou apresentar a ela um dos
meus hobbies favoritos, mais um dos meus brinquedinhos voadores. —Ninguém mais quebra meus brinquedinhos
voadores e eu posso comprar todos os que quiser. Por um breve momento as
cenas da minha infância invadem meu pensamento, mas hoje não. Hoje não permitirei
que a tristeza me visite.
—Taylor, enquanto fico aqui com Flynn
quero que tome as providências para que o planador esteja à minha disposição
amanhã, na Geórgia.
—Claro Sr Grey, resolverei isto agora
cedo. Alguma recomendação especial?
—O de sempre: equipamento seguro,
tudo vistoriado e desta vez com mais segurança ainda, pois levarei Anastasia
junto. Que esteja tudo preparado para o amanhecer. Anastasia vai conhecer de
perto o nascer do sol amanhã Taylor, bem de perto...
—Não se preocupe Sr. Grey, tudo
estará providenciado do jeito que deseja.
Ele
para o carro em frente ao consultório. É tão próximo do Escala que costumo vir
à pé, chegamos rapidamente de carro. Taylor fica observando minha demora em
descer. Estou sem coragem para dizer tudo ao meu analista e confidente. Serão
tantas novidades... Olho novamente para frente e encontro os olhos indagadores
de Taylor, que apesar de saber o que está acontecendo se mantém em seu silêncio
sepulcral. Digo para mim mesmo em meus pensamentos tortos: —Coragem Grey, em frente e enfrente!
Saio do carro e enquanto encaro a
subida do elevador. Vou preparando o espírito para o rol de informações que
darei, já que as férias de John coincidiram com meu encontro de Anastasia, por
isso ele nem imagina quantas novidades trago hoje nesta minha mala de pesadas e
confusas emoções. Imagino a cara de John Flynn a hora em que eu disser: —Sim ela era virgem, estou praticando sexo
baunilha e curtindo de montão esta nova experiência...
Chego ao andar e assim que passo
pelas robustas portas de madeira maciça do consultório sou recebido pela
delicada Sra. Diane, que tem idade suficiente para ser minha mãe. Ela é muito
discreta e isto é muito importante para mim.
—Bom dia Sr. Grey, acompanhe-me, por
favor. O Dr. Flynn está à sua espera.
Sua voz é terna, baixa e gentil e com
seu andar suave me acompanha imediatamente ao consultório. Ela não abre a
porta, pois sabe que eu prefiro fazer isto. Detesto ver mulheres abrindo as
portas, isso é papel de homem, em qualquer situação.
—Obrigado, Diane!
Ela sorri e retorna à sua mesa na
sala de espera. Adentro ao consultório luxuoso e ventilado de Flynn. O mesmo
visual de sempre. Uma mesa de madeira maciça, acompanhada de estante recoberta
de livros, poltronas confortáveis de couro de frente para dois sofás verdes
escuros. As paredes são pintadas de um verde claro, elegante e discreto. Não
existe um divã como na maioria dos outros consultórios que frequentei e
abandonei. Este parece mais um clube de cavalheiros, fato que me deixa mais à
vontade para soltar meus demônios e exorcizar meus pecados. John se levanta da
mesa e vem sorrindo me receber.
—Ora, ora, quem veio me visitar hoje!
—Por livre e forçosa necessidade,
John. E isso não é uma visita. É uma consulta.
—Muito obrigado pelas palavras.
Estava com saudade de você também, Christian, mas da sua sinceridade... Nem
tanto meu amigo, nem tanto.
Abraçamos-nos e rimos da situação.
John aponta para o sofá sugerindo meu local de assento e se instala na poltrona
em frente. Observo que sua aparência está mais jovial, seu aspecto mais
saudável, apesar de estar sempre trajado de sua calça preta e camisa branca de
linho, numa eterna sobriedade e discrição inglesa.
—Vejo que a viagem lhe fez bem John, você
rejuvenesceu.
—Ah, claro que sim. Férias existem
para isto Christian, para descansar e relaxar, você devia experimentar.
Reviro os olhos para ele, sentido a
indireta direta.
—E como está a família?
—Muito bem. Todos felizes e
descansados com energia para restabelecer a rotina depois de muito descanso e
diversão. Nada como recarregar as baterias meu jovem.
Um silêncio pesado recai na sala. Sinto que
estou desconfortável e John me observa sem nada dizer. Passo a mão pelos
cabelos, olho para o abajur simples que está sobre a mesa. Observo a caixa de
lenços macios ao lado do abajur. Fico imaginado o quanto os demais pacientes
choram nas consultas, pois percebo que a caixa é constantemente substituída. Nunca
usei estes lenços, já que nunca chorei numa consulta. Não sou homem que fique derramando lágrimas à
toa. —É... Já na infância você deixou de produzir
lágrimas não Grey?
É uma situação estranha. John segura
um lápis entre os dedos e roda de um lado para o outro, enquanto equilibra
aquele maldito caderninho de capa de couro no colo. De repente, ele quebra o
maldito silêncio.
—Eu tenho muito tempo para você
Christian, mas veja bem, esta nem é sua primeira consulta, nós já estabelecemos
vínculo e confiança. Tenho um palpite de que você me trará novidades
estarrecedoras hoje. Francamente, minha aposta nisto é tão alta que se não
acontecer mudo de nome.
Eu respondo sarcasticamente tentando
desarmá-lo.
—Ah, então a partir de hoje pode
começar a atender pelo nome de Joana
Flynn, vai ser lindo e hilário!
—Será mesmo? Será que minhas aulas de
leitura corporal foram tão ruins assim? Olha aí, braços cruzados em atitude
defensiva, pés batendo numa demonstração de ansiedade, tom de voz alterado pela
respiração ofegante e ansiosa...
—Que merda John! Meu charme nunca te
convence?
—Não. Não convence. Mas tenho tempo e
você tem dinheiro. Então está tudo certo...
Respiro fundo. Este John Flynn é
realmente um sacana filho da puta. Ele consegue desvendar alguns mistérios que
eu tento esconder. Tomo coragem e começo de uma vez.
— Anastasia Steele. Este é o nome da dona de uma boca muito
inteligente que vem me confrontando nos últimos dias, ou melhor, nas últimas
semanas.
—Certo...
—Certo nada John. Está tudo errado.
Levanto-me e vou para trás do sofá.
Ele nem se movimenta. Continua segurando o maldito lápis, me encarando com seus
olhos espreitadores de lince. Ainda de pé, seguro no sofá como se encontrasse a
segurança necessária para acabar a narrativa.
— Algo tem me desviado da órbita do
meu mundo tão centrado e controlado. Este algo tem um corpo esguio, pele bem macia, cabelos
castanhos de um cheiro inebriante e os olhos de céu mais fantásticos que já vi.
Ela invadiu meu mundo de um jeito tão diferente que não consigo mais parar mais
de pensar nela.
— Ahã...
—Bem e neste momento, minha órbita
segura está abalada pela ausência dela porque viajou para a Geórgia, foi visitar
a mãe e o padrasto.
—Vamos com calma, Christian. Preciso
entender esta história melhor. Onde você conheceu Anastasia, foi num destes
clubes, foi Elena quem apresentou? O de sempre?
—Não. Eu a conheci despencada no chão
do meu escritório. —E não tenho como conter uma risada alta, lembrando-me da
cena dantesca. Pela primeira vez John franze o cenho e muda de posição na
cadeira.
—Ah, agora sou eu que posso ler sua
postura corporal Doutor. Curvado para a frente demonstrando total curiosidade e
expectativa pela história.
—Realmente “Doutor Christian”, mais deixemos de charlatanismo, a consulta é
sua.
—Sim, é exatamente assim que
Anastasia te chama: Doutor Charlatão que cobra caro.
— Oh, que bom. Sinal que você já se abriu e me apresentou a ela.
Isto é realmente um ganho. E eu não me importo de ser chamado de charlatão. Nós
dois sabemos que isto não é verdade. Mas estou realmente curioso, continue por
favor.
Dou a volta pelo sofá e me sento de
frente para ele novamente.
—Bom, ela substituiu sua amiga de
faculdade numa entrevista para a SWU, que eu marquei com muita relutância.
Estava tão nervosa que escorregou e caiu assim que entrou em minha sala.
Ele me espreita curioso, mas não interrompe
me deixando à vontade para falar.
— Bom, o jeito simples e inocente
dela me chamaram a atenção.
—Um jeito submisso, você quer dizer?
—Isso, um jeito submisso. Mais por
incrível que pareça, meu maldito focinho farejador de submissas, impecável até
agora, foi nocauteado pela Srta Steele.
John se move no sofá e dispara.
—Você está me dizendo que ela...
—Que ela não é submissa. Até agora
não se mostra disposta em ser.
—Interessante...
Fico de pé novamente, coço o queixo e
continuo.
—Então... Assim que saiu da sala
coloquei minha equipe de investigação para trabalhar e descobri que ela
trabalhava numa loja de materiais de construção.
—Colocar sua equipe de investigação
para trabalhar não é novidade, mas continue, por favor.
—Pois bem. A loja fica em Portland. Dei
um jeito, fui até lá comprar umas “ferramentas”.
Ela me atendeu e se surpreendeu com minha presença na loja e com o “encontro inesperado”. Aí, você sabe,
conversa vai, conversa vem, se bem que a timidez inicial dela não permitiu
muita conversa, dei um jeito de entregar meu cartão com meus contatos.
—Até aí tudo dentro do seu padrão.
—Para minha surpresa, ela me ligou e
me dispus a tirar umas fotos para o tal jornal. Fui aos poucos me aproximando.
Conheci sua amiga metida e seu amigo filho da puta.
—Que avaliação interessante das
amizades dela, Christian.
— Bem, depois disso eu a busquei num
bar. Ela tinha bebido muito e o tal amigo filho da puta e canalha quase a
beijou a força. Sorte que cheguei em tempo e a salvei.
—Sem truculências?
—Sem... Quer dizer, somente o
necessário.
—Ok, continue.
—Bem aí começaram uma série de
primeiras vezes entre nós e para mim: ela dormiu no hotel, depois dormiu em
casa, na minha cama. Conheci a casa dela, o padrasto, ela jantou na casa dos
meus pais, conheceu minha família. Enfim... Fomos aos poucos nos conhecendo melhor, nos afinando até
engatarmos... Bem... Você sabe.
—Não Christian, não sei. Deixe de
rapapés e vá direto ao ponto como você costuma agir.
—Bom, ela quis assim... Ela quis algo
a mais e aí, diante das circunstâncias e após a conversa com o padrasto dela,
assumimos um namoro.
John levanta a cabeça e me encara com
os lábios abertos. Percebo que está surpreso tentando mostrar indiferença.
—Todo este rodeio para me contar que
está namorando? Qual o problema disso, exatamente?
—O problema é a mudança de padrão que
estou vivendo. Tudo está diferente do que construí...
—Entendo que suas estruturas estão
abaladas. Afinal você já teve tantos relacionamentos, mas nunca considerou
namoro...
Fico em silêncio, buscando palavras
para continuar, mas ele interrompe meus pensamentos.
—Não sei, mas tenho a nítida
impressão que você não me disse tudo.
—John, ela está me fazendo ter uma
série de primeiras vezes.
—Me explique melhor, Christian.
— Você sabe que ela foi a primeira
que eu consenti em dormir na minha cama. Foi uma conquista enorme para mim,
ficar uma noite inteira tão próximo de uma pessoa. E... Além de tudo, eu fui a
primeira experiência sexual dela.
Ele fica me olhando boquiaberto.
—Você está querendo dizer...
—Estou dizendo que ela era virgem,
John. Fui seu primeiro e espero que único homem.
Pela primeira vez ele para de rodar
aquele maldito lápis entre os dedos e me olha com os olhos arregalados. Coço o
queixo e fico esperando por suas palavras.
—E como você se sente quanto a isto?
—Sério? Você está perguntando “como EU me sinto”? Você deveria estar
perguntando como foi ela se sente!
—Meu paciente aqui é você, Christian.
Mas por que exatamente eu deveria me preocupar com a reação dela?
—Por que você conhece toda a minha
história, mas ela não. Ela sabe parcialmente. Corro o risco de a qualquer
momento ela entender como realmente sou e não me querer mais.
—E como você realmente é?
— Ah, você sabe muito bem. Sou
fodido, sou confuso, sou perseguidor, sou controlador e... Sou perverso, sou um
demônio tentando domesticar um anjo.
Ele me olha com seus olhos azuis agora
bem serenos e dispara.
—Já suspeitava que quando aparecesse
uma história diferente em sua vida sua Atelofobia apareceria num grau muito
mais elevado, Christian.
—Ah, lá vem você de novo com estas
palavras difíceis.