27 de set. de 2014

Capítulo 22- O quarto de hotel e nós...



Subo para meu quarto desanimado. Como criança que esteve próximo a uma loja de brinquedos e não pode entrar ou que avistou uma barraquinha de algodão doce, mas não pode experimentar. Fiquei com água na boca, mas vou ter que dormir assim, nesta fissura, não tem jeito.
Taylor me espera à porta para passar as informações.
—Sr. Grey, as providências necessárias para o voo amanhã estão devidamente tomadas, tudo corretamente providenciado.
—Muito bem Taylor, logo ao raiar do dia sairemos. Os primeiros raios de sol serão nossos amanhã.
—Sim Sr.,  estarei a postos para que tudo dê certo.
—E o que mais temos na agenda?
—Temos a reunião com os donos do terreno, no período da tarde. Assim que confirmarem o horário eu passo para o Sr., mas creio que será por volta das três.
—Ótimo, assim ficarei tranquilo para almoçar com Anastasia.
—Mais alguma coisa Sr.?
— Sim, você viu que Anastasia estava no bar com a mãe, não viu? —Claro que viu né Grey? Imagine que os olhos espreitadores de Taylor perderiam esta cena.
—Vi sim, Senhor. Na verdade, se me permite, levei um susto ao vê-la, não sabia que vinha.
—Mais uma surpresa, Taylor, mais uma. Nem mesmo eu sabia. Quero que você siga as duas para ver se chegam bem à casa de volta. Depois é só descansar para amanhã.
—Perfeito Sr. Grey, já descerei para não perdê-las de vista. Boa noite.
—Boa noite, Taylor. Qualquer novidade me avise.
 Assim que entro no meu quarto o telefone toca e é Ross que precisa falar comigo urgente.
—Grey, desculpe, mas é urgente, senão não ligaria.
—Manda ver Ross, o que aconteceu?
­—Lembra-se daquela investigação sobre os negócios da Purpure Corporation?
—Claro que lembro, novidades?
—Sim, saíram os resultados. Como prevíamos demos um tiro no pé. Os pacotes de viagem que foram vendidos terão que ser ressarcidos antes de fecharmos definitivamente a empresa, realmente estamos com um elefante branco nas mãos.
—Puta que pariu, eu sabia que isto ia dar merda.
 —A notícia boa é que os pacotes excedidos foram concluídos, mas vamos ter perdas consideráveis.
Ouço batidas tímidas em minha porta enquanto falo ao telefone. Ao abrir não contenho minha surpresa e meus olhos piscam traindo minha insegurança camuflada: é ela. Seguro a porta aberta e aceno para que ela entre em meu quarto.
— Todos os pacotes excedidos estão concluídos? E o custo?
—Joga aí umas milhas de dólares, fazendo todas as deduções possíveis.
Assobio entre dentes, ouvindo Ros e observando a deusa que desfila em meu quarto.
—É isso, mas pelo menos vamos nos livrar em tempo, antes da coisa ficar pior.
—Puxa… esse foi um caro engano…
—Se foi, mas vamos recuperar na próxima. Já estou de olho numa nova consultoria que está abrindo o bico e nós vamos liquidar em tempo real.
—E Lucas?
—Está pianinho, terminando todos os dados que pedimos. Vai entregar em tempo recorde os diagramas. Acho que amanhã ele já entrega para Andrea.
Anastasia observa o quarto. A mobília aqui é extremamente moderna, muito atual. Toda púrpura e dourada com motivos em bronze nas paredes.
— Faça Andrea mandar para mim os diagramas assim que forem entregues.
—Sim, assim que ele entregar ela dispara para o seu e-mail.
Ando para um armário de madeira escura e abro a porta para revelar um minibar. Indico para que ela se sirva e continuo andando pelo quarto doido para encerrar logo esta conversa.
 —Barney disse que ele achou o problema…
—Depois da sacudida que você deu nele, tinha que achar né, Grey? Adoro quando você coloca cada um no seu devido lugar. Afinal ninguém quer despertar a ira do chefe, ou perder um emprego de ouro desses. Você volta amanhã?
Dou risada com a fala de Ros e respondo:
 — Não, sexta-feira… existe um lote de terra aqui que estou interessado.
Enquanto converso caminho até o banheiro e aproveito para abrir as torneiras e começar a encher a banheira de água. —Hum, um banho relaxante com ela... A cabeça de cima continua atenta à conversa e a de baixo começa a se manifestar em seu divino esplendor. Aproveito para acender as velas aromáticas que estão dispostas ao redor da banheira enquanto retorno relaxadamente ao quarto.
—Ah, ok. Será excelente uma filial por aí, acho que é bem estratégico para a empresa. Vou ver com Bill sobre as estatísticas do local, já devem estar prontos os dados de custo/ benefício.
— Sim, ligue para Bill…
—Quer que ligue hoje?
 —Não, amanhã… eu quero ver o que Geórgia oferecerá se nós mudarmos.
Não consigo tirar os olhos de Anastasia. Sim, ela está aqui, pronta para mim. Entrego-lhe um copo e aponto para o balde de gelo.
—Vou ligar logo pela manhã, acredito que Bill já fez o comparativo entre a Geórgia e Detroit.
— Se seus incentivos forem atraentes o suficiente, penso que nós devíamos considerar isto, entretanto eu não estou certo sobre o maldito calor daqui.
—Sim, o calor aí é complicado. Neste ponto Detroit sai na frente e também o mercado lá está em franca expansão.
— Concordo que Detroit tem suas vantagens também, e sim é mais fresco.
—Mas já tem gente aqui dos recursos humanos achando que será difícil conseguir uma equipe afinada com as suas regras, para migrar para qualquer um destes lugares.
 Meu rosto momentaneamente escurece. Detesto gente frouxa, preguiçosa.
—Por quê?  Cada uma! Era só o que me faltava! Faça Bill ligar. Amanhã… Não muito cedo.
—Ok, chefe. Boa pesquisa por aí e divirta-se um pouco.
Desligo e olho fixamente para ela enquanto um enorme silêncio cai entre nós.

21 de set. de 2014

Capítulo 21: Inseguranças e Dr. Flynn


Saio logo cedo acompanhado de Taylor que me indica que tudo está preparado e acertado para o dia e a viagem. Ainda no carro assino alguns documentos urgentes. Taylor vai leva-los até o escritório enquanto ficarei na visita com Flynn. No caminho combino com ele algo que quero fazer para surpreender Anastasia e ao mesmo tempo me divertir um pouco. Vou apresentar a ela um dos meus hobbies favoritos, mais um dos meus brinquedinhos voadores. Ninguém mais quebra meus brinquedinhos voadores e eu posso comprar todos os que quiser. Por um breve momento as cenas da minha infância invadem meu pensamento, mas hoje não. Hoje não permitirei que a tristeza me visite.
—Taylor, enquanto fico aqui com Flynn quero que tome as providências para que o planador esteja à minha disposição amanhã, na Geórgia.
—Claro Sr Grey, resolverei isto agora cedo. Alguma recomendação especial?
—O de sempre: equipamento seguro, tudo vistoriado e desta vez com mais segurança ainda, pois levarei Anastasia junto. Que esteja tudo preparado para o amanhecer. Anastasia vai conhecer de perto o nascer do sol amanhã Taylor, bem de perto...
—Não se preocupe Sr. Grey, tudo estará providenciado do jeito que deseja.
Ele para o carro em frente ao consultório. É tão próximo do Escala que costumo vir à pé, chegamos rapidamente de carro. Taylor fica observando minha demora em descer. Estou sem coragem para dizer tudo ao meu analista e confidente. Serão tantas novidades... Olho novamente para frente e encontro os olhos indagadores de Taylor, que apesar de saber o que está acontecendo se mantém em seu silêncio sepulcral. Digo para mim mesmo em meus pensamentos tortos: —Coragem Grey, em frente e enfrente!
Saio do carro e enquanto encaro a subida do elevador. Vou preparando o espírito para o rol de informações que darei, já que as férias de John coincidiram com meu encontro de Anastasia, por isso ele nem imagina quantas novidades trago hoje nesta minha mala de pesadas e confusas emoções. Imagino a cara de John Flynn a hora em que eu disser: —Sim ela era virgem, estou praticando sexo baunilha e curtindo de montão esta nova experiência...
Chego ao andar e assim que passo pelas robustas portas de madeira maciça do consultório sou recebido pela delicada Sra. Diane, que tem idade suficiente para ser minha mãe. Ela é muito discreta e isto é muito importante para mim.
—Bom dia Sr. Grey, acompanhe-me, por favor. O Dr. Flynn está à sua espera.
Sua voz é terna, baixa e gentil e com seu andar suave me acompanha imediatamente ao consultório. Ela não abre a porta, pois sabe que eu prefiro fazer isto. Detesto ver mulheres abrindo as portas, isso é papel de homem, em qualquer situação.
—Obrigado, Diane!
Ela sorri e retorna à sua mesa na sala de espera. Adentro ao consultório luxuoso e ventilado de Flynn. O mesmo visual de sempre. Uma mesa de madeira maciça, acompanhada de estante recoberta de livros, poltronas confortáveis de couro de frente para dois sofás verdes escuros. As paredes são pintadas de um verde claro, elegante e discreto. Não existe um divã como na maioria dos outros consultórios que frequentei e abandonei. Este parece mais um clube de cavalheiros, fato que me deixa mais à vontade para soltar meus demônios e exorcizar meus pecados. John se levanta da mesa e vem sorrindo me receber.
—Ora, ora, quem veio me visitar hoje!
—Por livre e forçosa necessidade, John. E isso não é uma visita. É uma consulta.
—Muito obrigado pelas palavras. Estava com saudade de você também, Christian, mas da sua sinceridade... Nem tanto meu amigo, nem tanto.
Abraçamos-nos e rimos da situação. John aponta para o sofá sugerindo meu local de assento e se instala na poltrona em frente. Observo que sua aparência está mais jovial, seu aspecto mais saudável, apesar de estar sempre trajado de sua calça preta e camisa branca de linho, numa eterna sobriedade e discrição inglesa.
—Vejo que a viagem lhe fez bem John, você rejuvenesceu.
—Ah, claro que sim. Férias existem para isto Christian, para descansar e relaxar, você devia experimentar.
Reviro os olhos para ele, sentido a indireta direta.
—E como está a família?
—Muito bem. Todos felizes e descansados com energia para restabelecer a rotina depois de muito descanso e diversão. Nada como recarregar as baterias meu jovem.
 Um silêncio pesado recai na sala. Sinto que estou desconfortável e John me observa sem nada dizer. Passo a mão pelos cabelos, olho para o abajur simples que está sobre a mesa. Observo a caixa de lenços macios ao lado do abajur. Fico imaginado o quanto os demais pacientes choram nas consultas, pois percebo que a caixa é constantemente substituída. Nunca usei estes lenços, já que nunca chorei numa consulta.  Não sou homem que fique derramando lágrimas à toa. —É... Já na infância você deixou de produzir lágrimas não Grey?
É uma situação estranha. John segura um lápis entre os dedos e roda de um lado para o outro, enquanto equilibra aquele maldito caderninho de capa de couro no colo. De repente, ele quebra o maldito silêncio.
—Eu tenho muito tempo para você Christian, mas veja bem, esta nem é sua primeira consulta, nós já estabelecemos vínculo e confiança. Tenho um palpite de que você me trará novidades estarrecedoras hoje. Francamente, minha aposta nisto é tão alta que se não acontecer mudo de nome.
Eu respondo sarcasticamente tentando desarmá-lo.
—Ah, então a partir de hoje pode começar a atender pelo nome de Joana Flynn, vai ser lindo e hilário!
—Será mesmo? Será que minhas aulas de leitura corporal foram tão ruins assim? Olha aí, braços cruzados em atitude defensiva, pés batendo numa demonstração de ansiedade, tom de voz alterado pela respiração ofegante e ansiosa...
—Que merda John! Meu charme nunca te convence?
—Não. Não convence. Mas tenho tempo e você tem dinheiro. Então está tudo certo...
Respiro fundo. Este John Flynn é realmente um sacana filho da puta. Ele consegue desvendar alguns mistérios que eu tento esconder. Tomo coragem e começo de uma vez.
— Anastasia Steele.  Este é o nome da dona de uma boca muito inteligente que vem me confrontando nos últimos dias, ou melhor, nas últimas semanas.
—Certo...
—Certo nada John. Está tudo errado.
Levanto-me e vou para trás do sofá. Ele nem se movimenta. Continua segurando o maldito lápis, me encarando com seus olhos espreitadores de lince. Ainda de pé, seguro no sofá como se encontrasse a segurança necessária para acabar a narrativa.
— Algo tem me desviado da órbita do meu mundo tão centrado e controlado. Este algo  tem um corpo esguio, pele bem macia, cabelos castanhos de um cheiro inebriante e os olhos de céu mais fantásticos que já vi. Ela invadiu meu mundo de um jeito tão diferente que não consigo mais parar mais de pensar nela.
— Ahã...
—Bem e neste momento, minha órbita segura está abalada pela ausência dela porque viajou para a Geórgia, foi visitar a mãe e o padrasto.
—Vamos com calma, Christian. Preciso entender esta história melhor. Onde você conheceu Anastasia, foi num destes clubes, foi Elena quem apresentou? O de sempre?
—Não. Eu a conheci despencada no chão do meu escritório. —E não tenho como conter uma risada alta, lembrando-me da cena dantesca. Pela primeira vez John franze o cenho e muda de posição na cadeira.
—Ah, agora sou eu que posso ler sua postura corporal Doutor. Curvado para a frente demonstrando total curiosidade e expectativa pela história.
—Realmente “Doutor Christian”, mais deixemos de charlatanismo, a consulta é sua.
—Sim, é exatamente assim que Anastasia te chama: Doutor Charlatão que cobra caro.
— Oh, que bom. Sinal que você já se abriu e me apresentou a ela. Isto é realmente um ganho. E eu não me importo de ser chamado de charlatão. Nós dois sabemos que isto não é verdade. Mas estou realmente curioso, continue por favor.
Dou a volta pelo sofá e me sento de frente para ele novamente.
—Bom, ela substituiu sua amiga de faculdade numa entrevista para a SWU, que eu marquei com muita relutância. Estava tão nervosa que escorregou e caiu assim que entrou em minha sala.
Ele me espreita curioso, mas não interrompe me deixando à vontade para falar.
— Bom, o jeito simples e inocente dela me chamaram a atenção.
—Um jeito submisso, você quer dizer?
—Isso, um jeito submisso. Mais por incrível que pareça, meu maldito focinho farejador de submissas, impecável até agora, foi nocauteado pela Srta Steele.
John se move no sofá e dispara.
—Você está me dizendo que ela...
—Que ela não é submissa. Até agora não se mostra disposta em ser.
—Interessante...
Fico de pé novamente, coço o queixo e continuo.
—Então... Assim que saiu da sala coloquei minha equipe de investigação para trabalhar e descobri que ela trabalhava numa loja de materiais de construção.
—Colocar sua equipe de investigação para trabalhar não é novidade, mas continue, por favor.
—Pois bem. A loja fica em Portland. Dei um jeito, fui até lá comprar umas “ferramentas”. Ela me atendeu e se surpreendeu com minha presença na loja e com o “encontro inesperado”. Aí, você sabe, conversa vai, conversa vem, se bem que a timidez inicial dela não permitiu muita conversa, dei um jeito de entregar meu cartão com meus contatos.
—Até aí tudo dentro do seu padrão.
—Para minha surpresa, ela me ligou e me dispus a tirar umas fotos para o tal jornal. Fui aos poucos me aproximando. Conheci sua amiga metida e seu amigo filho da puta.
—Que avaliação interessante das amizades dela, Christian.
— Bem, depois disso eu a busquei num bar. Ela tinha bebido muito e o tal amigo filho da puta e canalha quase a beijou a força. Sorte que cheguei em tempo e a salvei.
—Sem truculências?
—Sem... Quer dizer, somente o necessário.
—Ok, continue.
—Bem aí começaram uma série de primeiras vezes entre nós e para mim: ela dormiu no hotel, depois dormiu em casa, na minha cama. Conheci a casa dela, o padrasto, ela jantou na casa dos meus pais, conheceu minha família. Enfim... Fomos aos poucos nos  conhecendo melhor, nos afinando até engatarmos... Bem... Você sabe.
—Não Christian, não sei. Deixe de rapapés e vá direto ao ponto como você costuma agir.
—Bom, ela quis assim... Ela quis algo a mais e aí, diante das circunstâncias e após a conversa com o padrasto dela, assumimos um namoro.
John levanta a cabeça e me encara com os lábios abertos. Percebo que está surpreso tentando mostrar indiferença.
—Todo este rodeio para me contar que está namorando? Qual o problema disso, exatamente?
—O problema é a mudança de padrão que estou vivendo. Tudo está diferente do que construí...
—Entendo que suas estruturas estão abaladas. Afinal você já teve tantos relacionamentos, mas nunca considerou namoro...
Fico em silêncio, buscando palavras para continuar, mas ele interrompe meus pensamentos.
—Não sei, mas tenho a nítida impressão que você não me disse tudo.
—John, ela está me fazendo ter uma série de primeiras vezes.
—Me explique melhor, Christian.
— Você sabe que ela foi a primeira que eu consenti em dormir na minha cama. Foi uma conquista enorme para mim, ficar uma noite inteira tão próximo de uma pessoa. E... Além de tudo, eu fui a primeira experiência sexual dela.
Ele fica me olhando boquiaberto.
—Você está querendo dizer...
—Estou dizendo que ela era virgem, John. Fui seu primeiro e espero que único homem.
Pela primeira vez ele para de rodar aquele maldito lápis entre os dedos e me olha com os olhos arregalados. Coço o queixo e fico esperando por suas palavras.
—E como você se sente quanto a isto?
—Sério? Você está perguntando “como EU me sinto”? Você deveria estar perguntando como foi ela se sente!
—Meu paciente aqui é você, Christian. Mas por que exatamente eu deveria me preocupar com a reação dela?
—Por que você conhece toda a minha história, mas ela não. Ela sabe parcialmente. Corro o risco de a qualquer momento ela entender como realmente sou e não me querer mais.
—E como você realmente é?
— Ah, você sabe muito bem. Sou fodido, sou confuso, sou perseguidor, sou controlador e... Sou perverso, sou um demônio tentando domesticar um anjo.
Ele me olha com seus olhos azuis agora bem serenos e dispara.
—Já suspeitava que quando aparecesse uma história diferente em sua vida sua Atelofobia apareceria num grau muito mais elevado, Christian.
—Ah, lá vem você de novo com estas palavras difíceis.