—Você me
deve. Vim buscar o que meu: você Grey!
Sento na cama suado e morrendo de
sede. Demoro um pouco para perceber que estou no quarto de jogos. Aos poucos a
lembrança da noite anterior começa a ventilar em minha memória.
Anastasia dorme tranquilamente, um
sono pesado, que recompõe suas energias. Cheiro seus cabelos para me acalmar das
imagens que povoaram meu sono e da voz que veio me cobrar: Leila! Eu realmente
devo para ela. Algo que ela cobrou por tantos anos e eu não consegui dar, como
bem diz Elena “o mundo de flores e
corações”.
Olho para a decoração do quarto de
jogos e tudo o que nele contém: objetos de dor e prazer e memórias, muitas
memórias... Memórias de prazer e muita dor... Dor causada no coração de algumas
mulheres que por aqui passaram.
Mulheres... Tão fácil tê-las a meus
pés e tão difícil decifrá-las, compreendê-las e torná-las felizes. Sou mesmo
lobo faminto em busca de carne e quando sacio minha fome, rapidamente busco um
novo alimento, pois é isso que elas são, meu alimento, minha energia.
Menos uma... A que repousa lindamente
deitada nesta cama. Esta alimenta minha alma muito além do meu corpo. Olho ao
redor e sinto no fundo das minhas entranhas que ela é uma peça solta em toda
esta história, que ela não pertence a este ambiente, que não seria capaz de ser
o homem que ela merece ter. Somos o casal Luz e Escuridão, tempestade e brisa
suave, anjo e demônio. —Sim Grey, corpos
que se entrelaçam e almas que não se alcançam...
Ainda nu, pego minha linda Anastasia
no colo e a levo para dormir em meu quarto. Ela sequer percebeu a mudança de
ambiente. Repousa tranquilamente trazendo-me paz e companhia, quebrando minha
solidão. Olho para o relógio que está na cabeceira da cama, são três horas da manhã
e o sono não vem. Visto minha calça de pijama, fecho a porta do quarto com
cuidado para não acordá-la e vou para a sala.
As luzes de Seattle iluminam minha
masmorra de vidro. Olho através das grandes vidraças e noto que a cidade dorme,
algum carro aqui, outro ali passa em alta velocidade aproveitando as ruas
desertas. Notívagos como eu. Perturbados em busca de algum consolo. Sirvo-me de
um copo de água gelada, sento ao piano e piloto as teclas, faço como os
desgraçados que teimam em adentrar a noite com seus carros em busca de
aventuras e consolos.
Toco Bach, Vivaldi, Sibelius, Brahms
e a música invade a aspereza de meu coração, a velocidade de meus pensamentos
incontrolados. Só há um bálsamo que me acalma mais que a música... O bálsamo
que caminha lindamente envolta numa centelha de luz, que invade a janela e que
a recobre de uma aura magnífica. Vestida com o roupão, minha mulher caminha
lentamente em minha direção.
— Você deveria estar dormindo. — Repreendo
suavemente.
— E você também, são cinco horas da manhã. — Ela replica, não tão suavemente.
Olho para ela, meus lábios se
contorcendo com um vestígio de sorriso.
— Você está me repreendendo, Senhoria Steele?
— Sim, Senhor Grey, eu estou.
— Bem, eu não consigo dormir. — Franzo o
cenho tentando disfarçar minha raiva.
Ela senta ao meu lado no banco
do piano, colocando sua cabeça em meu ombro nu para assistir meus dedos
acariciarem as teclas. Faço uma pausa fracionada e então continuo até o final
da peça.
— O que foi isso? — Ela pergunta baixinho.
— Chopin. Opus 28, número 4. Em E menor, se você está interessada. — Murmuro.
— Estou sempre interessada no que você faz.
Viro-me e pressiono suavemente meus
lábios contra seu cabelo, me deliciando com seu cheiro e sua voz reconfortante.
— Eu não quis acordar você.
— Você não acordou. Toca outra.
— Outra?
— A peça de Bach que você tocou na primeira noite que eu fiquei.
— Oh, o Marcello.
Começo a tocar vagarosamente e ela se inclina contra em meu ombro, repousando
sua cabeça. As notas tristes e emotivas fazem um redemoinho lento e melancólico
ao nosso redor, ecoando pelas paredes. É uma peça assombrosamente bela, mais
triste ainda que a de Chopin e nos perdemos na beleza do lamento. De certa
forma, ela reflete como eu me sinto. Logo a peça acaba.
— Porque você só toca música tão triste? —Ela pergunta.
Senta ereta e me olha enquanto encolho
os ombros em resposta para sua pergunta, não sei o que responder.
— Então você só tinha seis anos quando começou a tocar? — Ela pergunta.
Concordo e completo:
— Eu me atirei para aprender piano para agradar a minha nova mãe.
— Para caber em uma família perfeita?
— Sim, por assim dizer... — Digo
evasivamente. — Porque você está acordada? Você
não precisa se recuperar dos esforços de ontem?
— São oito da manhã para mim. E eu preciso tomar minha pílula.
Levanto as sobrancelhas em
surpresa.
— Bem lembrado! — Murmuro, surpreso e
impressionado. Meus lábios capricham num meio sorriso. — Só você começaria um tratamento específico de anticoncepcionais
em um fuso horário diferente. Talvez você devesse esperar meia hora e então
outra meia hora amanhã de manhã. Assim você poderá acertar um horário melhor
para tomá-las.
— Bom plano. Então o que nós devemos fazer por meia hora? — Pisca inocentemente para mim.
— Eu posso pensar em algumas coisas. — Sorrio
satisfeito com sua iniciativa.
— Por outro lado, nós poderíamos conversar... — Sugere calmamente me provocando.
Franzo a testa.
— Eu prefiro o que tenho em mente. — E
a puxo para meu colo.
— Você sempre prefere fazer sexo a conversar. — Ri, já se equilibrando segurando em meus braços.
— Verdade. Especialmente com você. — Cheiro
seu cabelo e começo uma trilha contínua de beijos da sua orelha até a garganta.
— Talvez no meu piano. — Sussurro. —Grande ideia, Grey!
— Eu quero esclarecer uma coisa. — Ela
sussurra...
Pauso momentaneamente com
curiosidade antes de continuar meu ataque sensual.
— Sempre tão ansiosa por informação, Srta Steele. O que precisa ser
esclarecido? — Respiro contra sua pele na base
do seu pescoço, continuando meus suaves beijos gentis.
— Nós. — Ela sussurra enquanto fecha os
olhos.
— Humm. O que sobre nós? — Pauso
minha trilha de beijos ao longo do seu ombro.
— O contrato.
Levanto a cabeça para olhar para
ela, surpreso com a resposta. Acaricio os dedos na sua bochecha.
— Bem, eu acho que o contrato ficou obsoleto, você não acha? — Minha voz esta baixa, meus olhos suaves.
— Obsoleto? — Ela
indaga.
— Obsoleto. — Sorrio enquanto ela me olha de
boca aberta, intrigada.
— Mas você estava tão interessado no contrato.
— Bem, isso foi antes. De qualquer forma, as regras ainda seguem de
pé. — Minha expressão endurece um
pouco.
— Antes? Antes do que?
— Antes... — Pauso com cautela.— Antes que houvesse “mais.” Encolho os ombros.
— Oh.
— Além do mais, nós estivemos na sala de jogos duas vezes e você
não fugiu gritando espantada...
— Você espera que eu faça isso?
— Nada do que você faz é esperado, Anastasia... — Digo com sinceridade.
— Então, deixe-me ser clara. Você só quer que eu siga as regras do
contrato todo o tempo, mas ignora o resto estipulado?
— Exceto na sala de jogos. Eu quero que você siga o espírito do
contrato na sala de jogos e, sim, eu quero que você siga as regras, todo o
tempo. Então eu sei que você estará segura e eu serei capaz de ter você a
qualquer momento que queira.
— E se eu quebro uma das regras?
— Então eu vou puni-la.
— Mas você não vai precisar da minha permissão?
— Sim, irei.
— E se eu digo não?
Olho-a por um momento, confuso
com a pergunta que me pega de surpresa.
— Se você disser não, você vai dizer não. Eu terei que encontrar
uma maneira de persuadi-la.
Ela se afasta de mim e fica em
pé. Sua atitude me intriga e fico cauteloso, pronto para a defensiva.
— Então, o aspecto da punição permanece.
— Sim, mas só se você quebrar as regras.
— Eu vou precisar relê-las... — Ela diz.
— Eu vou buscá-las pra você. — Digo em
tom profissional.
Vou até o meu escritório
rapidamente e pego o contrato na gaveta. Quando retorno a vejo na cozinha
fervendo água numa chaleira. Depois, sento num dos bancos e a observo retirar a
pílula da bolsa e engolir com um gole de água.
Ela se volta para mim e empurro o contrato em sua direção.
— Aqui está.
Ela começa a ler o contrato
corrigido após nosso acerto.